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capital de Antiochia, cognominada la ciudad blanca de Colombia, ajuntava em certa altura :

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El precio de su honor su mercancia;
Y como solo al interes atiende

Todo se compra ali, todo se viende...

Como se vê, é aspero o remoque do illustre Gutierrez Gonzalez, que se prevalece da real ou ficticia origem semita de Medelhim para cobrir de injurias a um povo laborioso e honrado, cujo trabalho indefesso constitue honra e orgulho da nação columbiana. Depois dos versos crueis e injustos de Gutierrez Gonzalez, como é natural, dada a fama e o prestigio do poeta no seio da sua propria terra, toda a gente começou a repudiar o caracter judengo da população antioquena, que servia de thema a tão rudes motejos.

Dom Marco Fidel Suarez, notavel mestre das lettras castelhanas, exprimeiro magistrado da Columbia, que em seus eruditos Sonhos de Luciano Pulgar se intitula a si proprio « presidente paria », e melhor se chamaria « presidente sabio », Dom Marco Fidel Suarez, como diziamos, não quiz deixar passar por alto o assumpto e emittiu tambem um valioso conceito sobre o semitismo antioqueno, o semitismo da sua amada Antiochia, onde se encontra o seu berço illustre 1.

Provando embora que a Inquisição vedava a entrada de judeus em territorios ultramarinos d'Hespanha, Suarez restabelece a verdade de que a gente d'Israël, astuta e porfiosa, passava por cima dos tribunaes do Santo-Officio, illaqueava a vigilancia dos torquemadas, e lograva sempre ir penetrando nos dominios americanos da monarchia hispanica. É certo que não se póde affirmar, á luz de documentos incontrovertiveis, que os numerosos judeus admittidos em o Novo Mundo tivessem qualquer preferencia pelo departamento ou Estado de Antiochia. Mas provas lateraes podem ser adduzidas e por conjecturas estribadas na observação directa dos factos sociologicos, é licito admittir a hypothese do primitivo semitismo de Antiochia. Dom Marco Fidel aponta os signaes de judaismo

1. SUAREZ (M. F.), El Sueño de Santander. El Nuevo Tiempo, Bogotá, 12 Dez. 19253.

daquelle povo columbiano, de pura phantasia a seu ver, mas que são por demais notorios e caracteristicos para que passem inadvertidos e não tenham um real significado, de obvias consequencias. Os signaes de judaismo, tal como os classifica o insigne publicista, são: o typo physico, de côr, varonilidade e belleza semita; o modo de pronunciar o s sibilado; a habilidade para a mineração e o officio de almocreve; a fecundidade; o appellativo irmão, usado em vez de parente: a religiosidade; a predilecção e capacidade para certas occupações commerciaes, como a usura e os arrendamentos; a clausura feminina, antes muito commum; a franqueza politica e a pouca habilidade para a intriga; o asseio e as abluções.

Todas essas qualidades distinctivas do habitante de Antiochia, na Columbia, são puramente fortuitas, no dizer de Suarez; proveem de circumstancias locaes e passageiras e são peculiares a quaesquer povos que padeçam os mesmos influxos ambientes.

Nesse consoante, o mesmo notabilissimo mestre quer acreditar que identicas notações de caracter se podem descobrir no Mexico, nas Antilhas, na America Central, na do Sul. Entretanto, com o devido respeito á autoridade de Suarez, seja-nos licito ponderar que, por toda a yastidão do continente, não se encontram tão notorios, caracteristicos e homogeneos traços physicos e moraes, como os que exhibe a população da rica e progressista Antiochia.

A população antioquena bem pode admittir o typo semita como predominante no seu seio. Insubsistente é o argumento juridico, que o mesmo Suarez invoca e annulla, de que os judeus não podiam ingressar em o Novo Reino de Granada : o argumento de que as Leis de Indias (codigo hespanhol de ultramar) mantiveram sempre a prohição de entrada de pessoas ou gente judia nos dominios castelhanos. O grande edicto de expulsão foi promulgado em março de 1492. Seis mezes mais tarde, diz Suarez, foi descoberto o Novo Mundo, e desde então começou uma corrente de providencias prohibitivas, que mantiveram fechados á raça hebréa os portos americanos. Em seguida, com a historia mexicana em punho, Suarez demonstra como os judeus violaram as leis de Indias, e penetraram na America Hespanhola, primeiro no Mexico, e depois nos outros vice-reinados transatlanticos da mesma corôa.

É tempo de coordenar estas notas, dando-lhes um caracter de mais methodica exposição. O grande exodo de 1492 encerra o ponto de partida da emigração semita para a America. Sabe-se que foram Fernando VII e Isabel a Catholica, reis de Castella e Aragão, que destruiram o dominio dos moiros na parte hispanica propriamente dita da peninsula iberica. Apo leraram-se de Granada, instituiram a Inquisição com todo o seu

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Fig. 10. Supplicio de judeus portuguezes na Praça de Lima, no seculo xvII. (Gravura das Tradições Peruanas de R. PALMA, ed. Calpe, Madrid, 1925.)

cortejo de crueldades e intolerancias, e começaram por expellir do novo reino iberico, isto é, da Hespanha unificada, perto de duzentos mil hebreus que estavam estabelecidos nos seus dominios, e eram chamados sepharditas, nome mantido até hoje, e devido ao facto de virem aquelles israelitas, depois de expulsos de Jerusalem, morar no Paiz de Sepphar, que era a propria Hespanha no idioma de Moysés. Esse nome se generalisou, passando a designar todos os judeus latinos, não só hespanhóes, mas portuguezes, francezes, italianos e rumenos. Os judeus germanicos, em contraste, ficaram conhecidos pelo apodo de askenazzin.

A mór parte dos exilados se refugiou ao norte d'Africa e em varias provincias turcas sendo bem recebidos pelos musulmanos. Outros bateram á porta de paizes christãos mais tolerantes. Um grupo de seiscentas familias se dirigiu a Portugal. Ahi o ambiente era mais hospitaleiro. Já se encontrava antiga collectividade judaica submettida ás leis lusitanas. Os mesmos moiros não suscitavam paixões vehementes, por isso que desde o seculo XIII estavam varridos do paiz do Tejo, muito antes da Hespanha unificada e christianisada. Dom Manuel I se limitava a exigir, dos adventicios como dos antigos, o pagamento d'um tributo annuo.

Esse regimen de relativa tolerancia portugueza, porem, não dura, e, solicitados por seus irmãos da Hollanda, os judeus portuguezes começam a emigrar para a Haya, Amsterdam, Rotterdam.

Em 1624 os hollandezes tomam o Brasil. Os isrealitas, á sombra das protectoras leis da Hollanda, começam a passar para Pernambuco, radicando-se quasi sempre no Recife, porque assim lhes convinha para o objecto da mercancia.

É facto, no emtanto, que os judeus portuguezes viajaram para a America mesmo antes do dominio hollandez no Brasil. Encaminhavam-se para as Antilhas e dahi se distribuiam por todos os os paizes latinos do continente. Em nossa patria não foram poucos os que, desde fins do seculo XVI, aportaram e se estabeceram. Deixamos esse capitulo para quem, melhor documentado, possa desenvolvel-o. O que por ora importa mostrar é que esses portuguezes israelitas foram buscando todas as praias da America. Latina, desde o Mexico até o extremo sul.

Compulsamos ainda o erudito Suarez. E' d'elle a seguinte transcripção da Monarchia Indiana, historia monumental do Mexico, em seu capitulo XXIV do Livro V: « No anno da graça de 1571 chegou a esta NovaHespanha e cidade do Mexico o Santo-Officio da Inquisição com seus officiaes e veiu para Inquisidor Dom Pedro Moya de Contreras (que mais tarde foi arcebispo d'esta Metropolitana e homem de grande governo). Este Santo Tribunal foi de grande bem e proveito para a Nova-Hespanha e limpou a terra, que estava contaminadissima de judeus e hereges, em

especial de gente portugueza, ou pelo menos de judeus cruzados com elles desde o tempo em que foram admittidos no reino de Portugal ». O mesmo autor menciona a seguir innumeros autos da fé levantados contra os hereges. «< A presença de judeus em a Nova-Hespanha, commenta Dom Marco Fidel Suarez, explica-se por fraudulentas intrusões de Portugal, onde se haviam refugiado muitos da Hespanha, immigração escondida e disfarçada, que se propunha a obter lucros com officios e misteres preferidos d'Israël, taes eram as minas, os cambios e os assentos »>1.

Tal como succedeu em a Nova-Hespanha, assim tambem aconteceu em todos os dominios hespanhoes. O Mexico desfructava primazia entre todas as colonias de Castella. Não lhe ficava atraz o Perú, e importa ver como tambem para Lima, la ciudad de los Reyes tres veces coronada, convergiram, desde o seculo XVI, muitissimos judeus portuguezes. A documentação desse facto historico pode ser feita com o insigne historiographo e litterato, gloria das bellas-lettras peruanas, que se chamou Dom Ricardo Palma, e deixou no seu paiz uma viva e formosa memoria de evocador e amante do passado. Pela penna de Ricardo Palma resurgiram as limenhas, travessas, faceiras e graciosas, os frades rubicundos e glotões, os nobres de capa e espada, toda uma sociedade lembrando paradoxalmente na America o viver aventuroso e galante dos velhos paços d'Hespanha. Pois bem, basta compulsar o sabio e illustre Palma em seus Annaes da Inquisição em Lima, para medir e aquilatar, em toda a importancia e em toda a extensão, o vulto da immigração luso-judia na capital dos Incas 2. Desde os primeiros autos da fé celebrados á margem do Rimac apparecem como victimas da sanha e da intolerancia inquisitorial pobres mercadores portuguezes, que peccavam de heresia. A 29 de Outubro de 1581 se realiza o terceiro famoso auto entre quantos se perpetraram na praça d'Armas da cidade de Pizarro. Figuram e predominam entre os penitenciados que soffreram torturas atrozes os sacerdotes portuguezes frei Alvaro Rodrigues e frei Antonio Osorio da Fonseca, condemnados ambos por proposições hereticas.

Ricardo Palma vae mencionando, auto por auto, data por data, minuciosamente, como bom rebuscador de archivos, todos os passos do SantoOfficio em Lima. No auto de 10 de Dezembro de 1600 figuram, com a sentença de relaxamento de pessoa, os portuguezes Balthazar Rodrigues de Lucena e Duarte Nunes, judeus judaisantes. Cinco annos depois, a treze de Março, em outro auto publico, apparecem mais portuguezes, que respondiam aos nomes de Gregorio Dias, Diogo Lopes de Vargas e Duarte

1. Op. cit.

2. PALMA (R.), Anales de la Inquisición de Lima. Lima, 1863.

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